Conheça o grupo de mulheres de bike que está batendo de frente com os gentrificadores da cidade.

Matéria originalmente publicada em inglês pela www.good.is
Autora original: Tasbeeh Herwees
Imagem: Michael Raines, Film Stills from Ovarian Psycos (2016).

Matéria original: https://www.good.is/articles/ovarian-psycos
Tradução: Talita Noguchi

crédito: Michael Raines, frame do filme Ovarian Psycos (2016)
Há quase seis anos, Xela de la X, uma ativista e musicista de Los Angeles, organizou o primeiro Luna Ride, um evento de pedal noturno que acontece sob a lua cheia. Esse evento marcou a fundação das Ovarian Psycos, um coletivo de mulheres negras que reivindicam a noite, as ruas, e o ciclismo como delas em uma cidade conhecida pela hostilidade tanto contra ciclistas quanto contra mulheres negras. As Ovarian Psycos não são nenhuma novidade, entretanto ““ elas representam uma mudança no mundo do ciclismo, que tem a reputação de ser predominantemente branco e dominado por homens.

Desde o primeiro Luna Ride, as Ovarian Psycos realizam eventos nas ruas esburacadas e esquecidas de Los Angeles; um dos pedais mais notórios, Clitoral Mass, se tornou um evento nacional, ocorrendo em 6 cidades pelo paí­s. Esse tipo de identidade provocativa chamou bastante atenção do cenário de ciclismo local, e nem todo ele foi favorável. Mas a fundadora De la X (o nome dela, um pseudí´nimo, é uma homenagem ao Malcom X) e suas companheiras não se abalam com essas crí­ticas, preocupadas somente com o bem-estar do seu coletivo. Sua luta para manter uma comunidade de ciclismo para mulheres no bairro de Boyle Heights é retratada em um novo documentário das diretoras Kate Trumbull-La Valle e Joanna Sokolowski, chamado Ovarian Psycos, que estreou em março de 2016 em Austin no SXSW (festival de cinema, música e tecnologia). GOOD conversou com De la X sobre as Psycos, o filme e a luta por mobilidade e acessibilidade (esse artigo contém spoillers do documentário).

Como você descreveria as Ovarian Psycos para pessoas que não estão familiarizadas com o que você faz?

É um coletivo de mulheres sem noção, de cor, negras, que se importam com a sua comunidade e com a próxima geração. Nós estamos nos situando no contexto histórico da nossa ancestralidade, do legado das mulheres que vieram antes de nós, e tomando consciência de nosso lugar e posição atualmente em nossas comunidades. As mulheres mais novas estão chegando, elas sabem que isso não começou e não vai terminar com as Ovarian Psycos. Nós somos apenas mais uma na linhagem das brujas, brutas, expostas a riscos, psicóticas, radicais ““ tanto faz, nos descreva como quiser.

Nós trabalhamos muito com muitas organizações e diferentes cí­rculos em Los Angeles e além. Há lugares loucos, com coletivos loucos florescendo em L.A., realmente tentando criar ví­nculos uns com os outros, e deixando bem óbvio para possí­veis gentrificadores que nós não estamos chegando sós. Nós faremos qualquer coisa necessária para proteger nosso bairro e nossa comunidade.

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crédito: Michael Raines, frame do filme Ovarian Psycos (2016)

E qual o sentido do ciclismo nessa missão? Por que bicicletas?

Bicicletas porque, primeiro e mais importante, somos uma comunidade trabalhadora; então, para muitas de nós, é o nosso meio de transporte. Bicicletas também são um ponto-chave no sentido de que nós, como mulheres, mulheres de cor especificamente, nessas áreas, fomos criadas com um medo do movimento e dos espaços que habitamos, um medo de nos deslocarmos por eles. Nós usamos as bicicletas para dizer, “Nós seremos destemidas! Nós iremos ocupar todos os espaços, e iremos transitar, e teremos acesso.”

Acesso e mobilidade é muito importante para gente, pois fomos privadas disso. E essa privação nos limitou muito enquanto crescí­amos. Eu não quero que minha filha cresça com medo. Eu quero que ela seja livre para ir aonde quiser. Nós comandamos essa merda. E nós temos irmãs que vão tocar essa porra com a gente.

Como a mobilidade das pessoas na cidade apresenta um desafio í  gentrificação?

Nós realmente temos que nos empenhar para avançar nessa conversa. Antes de tudo, um dos sinais reveladores de gentrificação na nossa comunidade é [o aparecimento de] ciclovias. Em um sentido, aqui há ciclovias que supostamente são destinadas para as pessoas. Nossas pessoas estão em bicicletas. Elas precisam de sua própria via. E os cuzões nos carros precisam respeitar o fato de que estamos aqui também.

Ao mesmo tempo, ela [permite] que uma certa classe de pessoas se sinta segura em NOSSAS comunidades, onde antes não se sentiam… Para ser bem sincera, eu não participei de muitas conferências sobre mobilidade. Eu não sou convidada. E eu vou te dizer agora, eu não sou convidada pois sou conhecida por falar merda. Mas eu encorajo pessoas que estão fazendo trabalhos acerca de mobilidade e acesso. Eu encorajo essas pessoas a serem crí­ticas. Algumas vezes vai ser doloroso ter consciência crí­tica. E algumas vezes vai ser feio ser crí­tico. Mas nós temos a obrigação de sermos crí­ticos. Ou, senão, nós somente iremos perpetrar a gentrificação.

Então certos planejamentos da cidade para trazer mais suporte e vias para bicicletas podem facilitar o processo de gentrificação?

Exatamente. Eu sinto que muita gente da galera da mobilidade chega a ser tipo uma “União do Tudo Lindo e Maravilhoso” para bicicletas. Tipo, “Nós não podemos todos nos entender? Olhe quão bonito está agora.”. E é algo do tipo, sim, está bonito, mas para quem? Quem vai ter acesso a isso? Quando o preço do aluguel e das nossas casas estão subindo? Quando a polí­cia ainda mira na juventude negra, para quem é esse lindo cenário no fim do dia? Não nós. Obviamente, não para nós.

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crédito: Michael Raines, frame do filme Ovarian Psycos (2016)

Tenho certeza de que existem esforços similares em Nova York e Brooklyn, ou onde quer que seja, mas eu sinto que as Ovarian Psycos, especificamente, são um produto único de L.A. Por que você acha que isso acontece?

Quando você está falando do leste de L.A., Boyle Heghts, há uma história muito forte de movimentos de justiça social, onde nós não seremos as mexicanas dóceis e estereotipadas. Nós viemos disso. Eu acho que é isso o que nos torna tão únicas. Nós viemos desse legado de rebelião. De revolução. De se levantar perante um porco e cantar contra o sistema e reivindicar o que é nosso.

Como o filme foi feito? Quem abordou vocês e por que vocês disseram sim?

[As diretoras Kate Trumbull-La Valle e Joanna Sokolowski] entraram em contato conosco. Elas eram brancas. Para ser honesta, nós não dissemos sim. Nós dissemos não, a princí­pio. Nós queremos mulheres de cor para representar e documentar outras mulheres de cor. Mas a verdade é que nós conhecí­amos outras mulheres de cor que produzem filmes, fodonas nessa área e que vieram do nosso pedaço, [mas] elas estavam ocupadas com seus próprios projetos.

Foi um processo longo para [Kate e Joanna] conquistarem nossa confiança e até mesmo me fazer topar. Era algo do tipo “Eu não confio nelas. Qual o olhar delas? Qual a intenção delas? Quem as enviou?”. Mas, depois de um tempo conversando com elas, conhecemos sobre as próprias vivências delas ““ por exemplo, Kate tem uma mãe mexicana que cresceu em Chihuahua, México. Ela também estava trabalhando no documentário “No Más Bebés”, sobre a esterilização forçada das mulheres do leste de L.A. Então eu fiquei tipo, ok, elas têm propriedade para abordar o assunto. Elas investiram um interesse sincero em documentar o trabalho que estamos fazendo ““ não com os ideais delas, não com o olhar delas sobre isso. Só uma narração sincera. No momento em que me senti confortável com isso, aceitei.

Um dos momentos mais interessantes do documentário é quando um cara, que está vestindo uma camiseta do CicLAvia, está reclamando das Ovarian Psycos. A organização claramente entrou em atritos com algumas pessoas negativamente. Há disputa entre as Ovarian Psycos e outras organizações de bicicleta?

Nós tivemos um monte de reações negativas. Tivemos um monte de gente falando um monte de merda sobre qualquer coisa que estivéssemos fazendo. Não apenas falando merda, mas diminuindo o trabalho [que nós estamos fazendo] e ridicularizando nossos esforços. Até dizendo que nós não somos “ciclistas de verdade”. E nós não damos a mí­nima, no fim das contas. Nós não estamos correndo atrás da aprovação da comunidade ciclí­stica. Esse nunca foi nosso objetivo. Nós queremos gente que aprenda coisas a ver com sobrevivência. Esses tópicos são reais. Como podemos divulgá-los? Pode rir da gente. Nós não ligamos. Nós continuaremos a fazer o trabalho que nós sabemos que tem que ser feito.

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crédito: Michael Raines, frame do filme Ovarian Psycos (2016)

A narrativa do filme é centrada no seu relacionamento com as Ovarian Psycos, e ele documenta sua saí­da da organização e deixando a liderança. Como você se sentiu vendo isso retratado na tela?

Doloroso. Mesmo durante o processo, eu estava revivendo um monte de traumas que eu não estava necessariamente pronta para revisitar. Foi o tipo de situação agridoce. Quando eu saí­, foi doloroso e agridoce, no sentido de eu ter saí­do especificamente por ter que priorizar meu relacionamento com minha filha. Eu estava realmente negligenciando isso. Eu fico chocada simplesmente em pensar sobre como eu estava negligenciando ela por causa do trabalho que eu faço. Eu trabalho das 9 í s 17h num abrigo para crianças sem-teto. Além disso, eu faço minha música. E além disso, eu estava pedalando. Então minha filha estava numa situação de merda nos últimos anos. Eu tive que ser honesta quanto ao fato de que ela precisa de mim. Ela tem que ser minha prioridade número um.

E eu tive que ser sincera quanto ao fato de que essas mulheres têm esse poder. Que elas são capazes dessa merda. Elas vão ficar bem. Elas ficarão bem sem mim. Quem não vai ficar bem sem mim é a minha própria filha.

Qual é o seu atual envolvimento com as Ovarian Psycos? Você ainda se reúne com elas desde que deixou a liderança?

Eu irei me reunir com elas até o dia da minha morte. Uma vez Psyco, sempre Psyco.

Imagens por Sylvia Frances Films.

Ovarian Psycos
Festival Status: 
World Premiere, SXSW Film Festival 2016
International Premiere, Hot Docs Canadian International Documentary Film Festival, 2016
Official Selection, Seattle International Film Festival, 2016 (West Coast Premiere)
Official Selection, Human Rights Watch Film Festival, 2016 (New York Premiere)
Official Selection, Frameline LGBTQ Film Festival, 2016 (San Francisco Premiere)
* The Los Angeles
, European, and Mexico
Premiere to be announced soon, please check back!
Facebook: www.facebook.com/TheOvarianPsycosDocumentary
Twitter: @OvarianPsycoDocUPCOMING SCREENING DATES*This Weekend!
Seattle International Film Festival (SIFF) – Buy tickets here.
Friday, June 3rd, 2016 – 9:30 PM – AMC Pacific Place 11
Saturday, June 4th, 2016 – 8:00 PM – Ark Lodge Cinemas
(*Directors Kate Trumbull-LaValle and Joanna Sokolowski will be in attendance!)

Human Rights Watch Film Festival in New York – Buy tickets here.
Saturday, June 11th, 2016 – 9:30 PM – IFC Center New York
Monday, June 13th, 2016 – 7:00 PM – IFC Center New York
(*Director Joanna Sokolowski and special guests Xela de la X and Andi Xoch will be in attendance!)

Frameline – San Francisco LGBTQ Film Festival – Buy tickets here.
Monday, June 20th, 2016 – 9:30 PM – Rialto Cinemas Elmwood
Saturday, June 25th, 2016 – 7:00 PM – Roxie Theater
(*Director Joanna Sokolowski, Director of Photography Michael Raines, and special guests Xela de la X, Andi Xoch & the Ovarian Psycos will be in attendance at the June 25th screening!)

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