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10 dicas para as bicicletarias atenderem melhor suas clientes mulheres

 

Matéria originalmente publicada em inglês pela revista Bicycling
Autora original: Caitlin Giddings
Matéria original: http://www.bicycling.com/maintenance/bike-shops/10-ways-bike-shops-can-welcome-women
Tradução: Talita Noguchi
Ilustração: Raquel Thomé

Um novo relatório da ‘Liga dos Ciclistas Americanos’ sugere que mulheres podem “salvar” as bicicletarias de bairro – isso se as más experiências no atendimento não as fizerem dar meia-volta.

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É uma situação comum para a maioria das ciclistas – até para aquelas que trabalham na redação da revista Bicycling: ao se aventurar em uma bicicletaria em busca de peças específicas, o mecânico te subestima como se você não soubesse diferenciar uma válvula Presta de um buraco no chão. Ou pior – só dirige palavra ao seu acompanhante masculino, mesmo quando é você quem está fazendo todas as perguntas.

Um novo relatório de 27 páginas da ‘Liga dos Ciclistas Americanos’ sobre estratégias para tornar o mercado no ramo ciclístico mais acolhedor às mulheres mostra que não estamos sozinhas ao acreditar que as pessoas donas de bicicletarias poderiam nos respeitar um pouco mais. A bicicletaria como conhecemos está morrendo, segundo o relatório. E mais: apesar de mulheres “representarem a nova maioria entre proprietários adultos de bicicletas, somando 51% dessas pessoas”, 62% das mulheres que possuem esse veículo não fizeram uma única visita a uma bicicletaria no último ano (comparado a 56% dos homens com bicicleta).

Há o indício aqui de que muitas mulheres se sentem intimidadas ou desconfortáveis em bicicletarias – principalmente se elas já tiverem passado por uma má experiência em um desses locais. Certamente, há várias bicicletarias bem-sucedidas em fazer as mulheres se sentirem bem-vindas. Mas por que várias dessas lojas ainda estão falhando nesse aspecto?

Perguntei às minhas colegas aqui na Bicycling sobre o que as bicicletarias podem fazer para se tornarem mais amigáveis às mulheres – e garantir a sustentabilidade desse negócio a longo prazo- e aqui vão suas respostas. (Não é surpresa que várias das sugestões se aplicam a atendentes ao lidar com ciclistas em geral, não apenas com mulheres)

1 – Não presuma que ela é iniciante. Não assuma que ela não é. Você deve fazer isso com qualquer cliente, inicie a conversa para sentir o nível de experiência da pessoa e trabalhe em cima disso. Você se sentirá grato por ter tirado um tempo para entender a situação e assim se poupar da gafe de explicar conceitos básicos para uma ciclista profissional que entrou na sua loja com roupas “civis”. Se acontecer de você estar lidando com uma iniciante, não apenas venda para ela uma bicicleta – mostre para ela outros acessórios de que ela possa precisar.

2 – Lembre que “ser mulher” não é um nicho. Nós somos ciclistas de estrada, urbanas, mountain bikers, corredoras de ciclocross, bike messengers, cicloturistas e mais. Não nos categorize ou estereotipe. Nós temos tantas necessidades e interesses quanto homens têm na estrada (ou trilha!).

3 – Estoque diferentes produtos para mulheres em diferentes tamanhos – de bikes XS (extrapequeno) a roupas de ciclismo plus size. E faça os produtos para mulheres serem tão atraentes quanto os dos homens, diz a editora Emily Furia. “Não atulhe duas jerseys femininas numa arara gigante toda cheia de coisas para homens, nos forçando a escavar por elas como se nós estivéssemos na TJMaxxx (um lugar incrível para fazer bons negócios, mas uma experiência de compra não tão agradável).”.

4 – Não pressuponha que ela quer uma bicicleta feminina – A editora Gloria Liu nos contou essa história: “Uma amiga minha recentemente teve a bicicleta Liv Avail empurrada para ela em várias lojas (apesar de ela dizer repetidamente que ela não gostava da posição em que essa bicicleta específica a colocava), então ela me perguntou: “Afff, eles estão recebendo alguma comissão especial para vender essas coisas?” A geometria comumente usada em bikes para mulheres – top tube mais curto a cabeçote mais alto – não se ajusta a todos os corpos femininos ou estilo de pedalada. E homens com pernas longas e torso curto poderiam ser melhor atendidos por uma “bike de mulher”, dependendo da sua posição de pedalada preferida.

5 – Nos leve a sério quando dissermos que podemos fazer tarefas de mecânica, diz Emily Furia. “Em uma tenda de demonstração de um gran fondo eu tive que explicar para o cara que trabalhava lá TRÊS vezes que eu sabia como instalar os pedais antes de ele me repassar a bike de teste sem os pedais.”. E também gostamos de trabalhar nas nossas bicicletas, então se atenha ao reparo pedido a não ser que se diga o contrário.

6 – A regra de ouro de todas as interações humanas: Não seja um escroto. Molly Hurford, da redação, reduz isso a poucos e simples pontos. “Não menospreze uma mulher, não dê em cima delas, e não parta de pressupostos sobre o tipo de pedal que elas fazem.”

7 – Faça pedaladas, eventos e aulas de mecânica direcionadas para mulheres. Muitas mulheres se sentem muito confortáveis em lojas de bikes, mas outras não. E a maioria vai ficar bastante entusiasmada em ter novas parcerias de pedal. “Pergunte se ela tem amizades para pedalar junto”, diz a contribuidora Selene Yeager. “Eu vi uma pesquisa interessante sobre o fato de as mulheres pedalarem mais se elas tiverem companhia. Ajude-a a encontrar uma comunidade.”.

A editora associada Taylor Rojek, que costumava trabalhar em loja de bicicleta, concorda. “Nós tínhamos um pedal para mulheres que era ótimo para apresentá-las umas às outras e fazia crescer essa rede,” ela diz. “Uma coisa que fiz pessoalmente foi perguntar para as mulheres que estavam comprando bicicletas novas se elas queriam dar uma pedalada. Havia muitas que tinham muito medo de pedalar nas ruas sozinhas com suas bikes novas e caras. Se você adiciona alguém que apoie, encoraje e saiba o que ela está fazendo, se torna uma experiência muito mais positiva.”

8 – Pergunte aos seus clientes – tanto mulheres quanto homens – o que eles querem da sua loja.

A bicicletaria para mulheres Gladys Bikes em Portland, Oregon, resumiu tudo numa ciência. “Nós temos essa coisa chamada ‘GAB’, a mesa de Conselho Gladys, feita por clientes fornecendo ‘feedback’ sobre o que elas querem de uma loja específica para mulheres.”. A dona da loja Leah Benson diz “nós estamos constantemente pesquisando o que significa construir um espaço que seja relevante para uma grande comunidade de mulheres sempre perguntando à nossa mesa: ‘Ei, o que vocês querem ver?’. Nossa “biblioteca de selins” veio disso. Várias mulheres viam o conforto do selim como uma barreira para pedalar, então dissemos: ‘Ei, nós podemos fazer sua bunda ficar mais confortável!’”.

9. Fale sobre selins, sugere Selene Yeager. “Ouvi de inúmeras pessoas inteiradas na indústria de marcas top que esse é o principal assunto/problema não mencionado que afasta as mulheres em relação às bicicletas. Eles são desconfortáveis “lá embaixo” e elas não se sentem à vontade para falar sobre isso. Homens nas bicicletarias geralmente ficam sem jeito na hora de abordar esse tema. Mas alguém TEM QUE FALAR SOBRE ISSO, ou muitas mulheres simplesmente não pedalarão.”.

10. Contrate mulheres! Diz Taylor Rojek. “A minha presença na loja tornou todo o atendimento mais confortável para muitas mulheres, e isso se repercutiu muito bem entre elas.”. 

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Mitos e dicas sobre bikes para mulheres

Dúvidas que surgem ao adquirir uma bicicleta

Questionamentos ao se comprar uma bike sendo uma mulher

Quando se faz uma procura em qualquer buscador na internet, os primeiros resultados sempre são inúmeras bicicletas que simplesmente apresentam uma estética que se acredita como “feminina”, mas que não atendem, de fato, o universo da mulher.

Em uma busca um pouco mais objetiva, indo além da página dois do que seria uma “bicicleta para mulher”, já é possível encontrar alguns modelos que apresentam soluções interessantes. Algumas marcas andam notando esse nicho específico e fazendo sua lição de casa para atender esse mercado, que para eles é nascente. Contudo, as mulheres estão aí desde que o mundo é mundo, representam uma parcela considerável do mercado consumidor e o atendimento específico a elas ainda é algo bastante novo.

O que olhar numa bicicleta além da estética:

FUNCIONALIDADE: híbrida, fixa, single speed, dobrável, MTB, speed, cyclocross, bmx. Ou seja, se vai ser usada em estrada de terra, no asfalto, se será carregada em transporte público, ou em longos trajetos cicloturísticos, etc. Existe uma boa variedade de tipos de bike que podem ser procurados. Essa escolha INDEPENDE do gênero.

TAMANHO: um cuidado ao se procurar uma bicicleta é o tamanho dela (do quadro), normalmente encontrada das seguintes formas:

  • POLEGADAS: (15”, 17”, 19”, 21” ou 16”, 18”, 20”, 22”) nesse caso, já notei que as pessoas com menos conhecimento na área tendem a confundir o tamanho do aro (ou seja, o tamanho da roda) com o tamanho da bicicleta, por conta de usarem a mesma unidade de medida;
  • CENTÍMETROS: 48cm, 50cm, 52cm, 54cm e por aí vai.
  • SS, S, M, L, XL, XLL, XLLL: quando se encontram no padrão “pequena”, “média” e “grande” é importante checar sua equivalência em relação a uma das unidades acima citadas.

Existem algumas tabelas na internet para auxiliar nessa procura. Para a maioria dos casos, essas tabelas dão certo, mas existem pessoas com certas peculiaridades. Então, é sempre bom falar com algum especialista no assunto para ter certeza, lembrando sempre que essas tabelas que levam em conta somente a estatura têm por base muitas vezes uma realidade à qual não pertencemos, como o padrão europeu. Exemplo: orientais costumam ter o tronco mais comprido e o “cavalo” (a distância entre a base do tronco e a sola dos pés) mais curto em comparação às europeias, e isso influencia bastante no tamanho da bicicleta. Acontece a mesma coisa com pessoas mais longilíneas. É sempre bom lembrar que, mesmo havendo uma padronização, cada pessoa tem sua idiossincrasia, então é sempre bom prestar mais atenção ao que seu corpo fala durante uma pedalada do que em tabelas de internet. Outra coisa, quando for fazer um teste na bicicleta, não considere que uma simples volta no quarteirão vai te deixar realmente a par do “fit” (“tamanho e ajuste”) da bike para você.

Ilustração explicativa sobre cavalo

ESPECIFICIDADES: aqui entram as reais diferenças técnicas que dizem respeito a diferenças biológicas na escolha de uma bike. Farei uma lista abaixo de alguns detalhes a serem observados:

SELIM: o tamanho e as áreas de contato, considerando a morfologia dos ossos do quadril que se diferencia entre homens e mulheres, são coisas que acabam fazendo muita diferença. Algumas marcas já fazem selins que respeitam esses fatores;

MANOPLAS: a mão de muitas mulheres costuma ser menor que a dos homens. Assim sendo, as manoplas precisam ter um diâmetro reduzido para poderem se adequar melhor (o que não significa de forma alguma que não existam mulheres com mãos maiores ou homens com mãos menores, ou qualquer variação que se possa pensar);

STI/FREIO: o mesmo caso descrito no item acima se adequa aos manetes de freio e STIs, sendo que algumas marcas e modelos incluem um calço para STIs, a fim de tornar seu acionamento mais fácil para quem tem a mão menor.

QUADRO: pela diferença de estatura e proporção corporal, algumas variações foram feitas por algumas marcas. Por exemplo, o tamanho “P” dos quadros para mulheres são menores do que os “P” feitos para homens. Essa diferença é importante, pois consegue ser mais abrangente e factível para o uso de muitas de nós. É importante ressaltar que os padrões atendem uma média geral e irei citar o caso específico do meu quadro para deixar algumas questões mais claras: meu quadro é um “’P’ feminino”, ou seja, menor que os “’P’ masculinos”. Eu. sendo descendente de oriental, tenho um tronco comprido e, na verdade, seria mais adequado usar um “’M’ feminino” da mesma marca, ou um “’P’ masculino”.

SUPENSÃO: é comum o tronco de uma mulher ser mais leve que o tronco de um homem, logo, a força que aciona a suspensão (“amortecimento”) é diferente nos dois casos. Esse ajuste pode ser feito diretamente na suspensão e também já existem algumas que vêm com uma modificação para acioná-la com uma força menor;

GUIDÃO: em muitas modalidades, é interessante que o guidão tenha a largura do ombro de quem está pedalando a bicicleta. Em muitos casos, é fácil acertar essa medida simplesmente cortando o componente, mas essa é uma tática que não pode ser usada com o guidão de speed (o modelo chamado “drop”, curvado para baixo), por exemplo, quando é importante que a bike já venha com essa peça no tamanho adequado. Existem marcas com modelos de bicicleta que já vêm com um guidão padrão de 38cm, uma largura menor e mais adequada às mulheres, o que é impossível de acontecer com as bicicletas speed tradicionais.

MITOS:

Mulheres devem usar quadro rebaixado/step through: não, esse não é um fato que se adequa a TODAS as mulheres. Ele é interessante nos seguintes casos: para subir e descer da bike com maior facilidade; para dar maior segurança psicológica às pessoas que estão começando a pedalar, pois elas se sentem mais seguras para colocar o pé no chão rapidamente, se necessário – essas duas questões independem de gênero; e, por fim, para usar saia. Mas, quanto a esse último exemplo, tem muita mulher que não usa saia e tem muita mulher que usa saia e se vira bastante bem com um quadro no formato “diamante” clássico (com o tubo superior alto e praticamente horizontal); além disso, não é um quadro somente para mulheres.

Quadro step-through (

Quadro step-through (“rebaixado”) e diamante

Esteticamente ‘feminino’: não existe nada de errado em as coisas terem essa característica (como cores que variam entre o rosa e o azul bebê, ou estampas de flores), mas absolutamente TODAS as coisas voltadas para esse público terem essa configuração é problemático (ou melhor dizendo, MUITO FRUSTRANTE), pois é como se todas as mulheres se enquadrassem em um único gosto estético. Não, isso não é verdade. As flores e formatos geométricos delicados podem e devem ficar, mas também deve haver outras opções. Algumas marcas de roupa de ciclismo muito boas decidiram que borboletas deveriam estar em TODAS as estampas, e isso com certeza contou na hora de muitas fazerem suas escolhas ao comprar ou não os seus produtos.

Este texto foi escrito para ajudar algumas mulheres que estejam pesquisando sobre o que levar em conta na hora de adquirir uma bike. E fica a esperança de que as empresas do ramo, em um futuro próximo, tragam maior variedade e adequações mais práticas a esse público.

(1) Nesse texto estou colocando mulher e homem “cis” como “padrão” por uma questão prática.
(2) Nesse capítulo especificamente estou falando sobre diferenças anatômicas entre a média da população “cis”. Se houver alguma informação sensível que não foi colocada, ou mesmo mal colocada, gostaria de ser avisada para não incorrer no mesmo erro.